Cardiomiopatia hipertrófica felina: uso de NT-ProBNP como screening

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Cardiomiopatia hipertrófica felina: uso de NT-ProBNP como screening

A cardiomiopatia hipertrófica felina é uma patologia primária frequente nos gatos, que se caracteriza pelo espessamento do músculo do miocárdio. Dado que o diagnóstico desta doença é do tipo de exclusão, e que a patologia pode chagar a tornar-se severa com ocorrências de insuficiência cardíaca congestiva, tromboembolismo e morte súbita, são necessários métodos de screening para identificar os gatos afetados.

A etiologia pode ser idiopática ou devido a mutações da proteína C . A cardiomiopatia hipertrófica possui um amplo espectro clínico que engloba desde a patologia leve sem sinais clínicos (manifestam-se sinais subclínicos) até à patologia grave com complicações associadas aos transtornos de arritmias e à morte súbita . A cardiomiopatia hipertrófica felina é uma patologia que afeta mais frequentemente algumas raças de gatos, pelo que é habitual que os donos desses felinos queiram descartar a incidência desta patologia nos seus animais de estimação.

Como se realiza o diagnóstico da cardiomiopatia hipertrófica felina?

O exame de exploração física desempenha um papel limitado no diagnóstico desta patologia. A sensibilidade e especificidade da auscultação por forma a detectar a patologia cardíaca são relativamente baixas, porque a maioria dos gatos com cardiomiopatia hipertrófica não manifestam anomalias ao nível da auscultação, e alguns deles apresentam um sopro cardíaco fisiológico (sopro inocente) devido à obstrução dinâmica no ventrículo direito. O diagnóstico da cardiomiopatia hipertrófica felina realiza-se através de ecocardiografia , sendo que é sempre um diagnóstico de exclusão . Um diagnóstico acertado da cardiomiopatia hipertrófica poderá ser realizado se se observar um espessamento de toda a parede do ventrículo esquerdo (ou de uma região da mesma, e que seja superior a 6 mm), e quando existir ausência de hipertireoidismo , hipertensão arterial e desidratação severa . O espessamento da parede é geralmente acompanhado de um aumento do tamanho dos músculos papilares , observando-se uma obliteração da cavidade esquerda no final da sístole cardíaca.

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Outras descobertas que poderão ser detectadas no ecocardiograma são: dilatação da aurícula esquerda e movimento do véu anterior mitral funcional, devido à obstrução dinâmica da saída de sangue do ventrículo esquerdo. Desta forma, existe portanto uma necessidade de dispor de exames menos onerosos e mais acessíveis para a realização do diagnóstico da cardiomiopatia hipertrófica felina.

Qual o papel dos marcadores biológicos?

Na medicina humana, têm-se utilizado marcadores biológicos no plasma ou no soro por forma a avaliar patologias cardíacas. Recentemente, a detecção do extremo N-terminal da pró-hormona do péptido natriurético cerebral ( NT-proBNP ) encontra-se disponível nos gatos. Este facto impulsionou a comunidade científica a iniciar a exploração da utilidade deste marcador biológico na patologia cardíaca felina1. O BNP (péptido natriurético cerebral) é um péptido que é sintetizado nas aurículas e nos ventrículos do coração. O estímulo que aumenta a sua secreção é o alongamento do músculo do miocárdio .

Inicialmente, o BNP é sintetizado sob a forma de ProBNP , que é uma pró-hormona . No interior do miócito, o ProBNP divide-se em BNP (a hormona ativa) e no seu extremo N-terminal o NT-proBNP . O NT-proBNP é menos instável do que a hormona, e tem um tempo de vida médio maior no plasma. Apesar de o NT-proBNP não ser um composto com atividade no gato, as concentrações de NT-proBNP estão correlacionadas com as concentrações plasmáticas de BNP. Assim, o NT-proBNP é utilizado como um marcador biológico mais estável da atividade do BNP1. No caso específico da cardiomiopatia hipertrófica, em seres humanos verificou-se uma correlação entre uma concentração elevada de NT-proBNP e determinados aspectos da doença.

Mais especificamente, observou-se uma correlação positiva entre as concentrações de NT-proBNP e as seguintes variáveis: classe funcional da NYHA da insuficiência cardíaca, o tamanh o da aurícula esquerda, a gravidade da disfunção da sístole , a obstrução dinâmica do percurso de saída do ventrículo esquerdo e a gravidade da hipertrofia ventricular . Apesar da observação destas correlações, o estudo do papel desempenhado por estes marcadores biológicos como indicadores da presença da doença e da sua gravidade no gato, é ainda muito limitado . Por isso, decidiu-se estudar a possibilidade de utilização do NT-proBNP como marcador biológico de screening para detectar os gatos afetados com cardiomiopatia hipertrófica.

Qual o esquema do estudo?

O estudo foi realizado na Universidade da Califórnia e foram selecionados 40 gatos de raça mista (19 fêmeas e 21 machos) com uma idade média de 6,5 anos. Todos eles foram previamente genotipados como heterozigotos ou como negativos para a mutação A31P , e realizou-se uma avaliação clínica, analítica (com função da tiroide) e ecocardiográfica. O uso do ecocardiograma permitiu obter o diagnóstico da doença ao medir no ecocardiograma 2D o espessamento da parede ventricular esquerda, com hipertrofia associada dos músculos papilares e na ausência de outra patologia causante, e que foi descartada por meio da exploração física e das análises prévias. Todos os gatos em questão foram analisados (dentro de uma margem de 6 meses anteriores à realização da ecocardiografia, até 3 meses após a mesma) por forma a detectar as concentrações de NT-proBNP .

Quais foram os resultados obtidos?

Dos quarenta gatos estudados, após a realização do ecocardiograma nove deles foram classificados como normais , doze incertos (mal diagnosticados), nove com cardiomiopatia hipertrófica moderada e dez com cardiomiopatia hipertrófica severa . Três dos dez gatos com cardiomiopatia severa apresentavam dilatação moderada da aurícula esquerda , sendo que não se observou dilatação da mesma em nenhum outro grupo. Os gatos com a forma severa da doença apresentavam níveis substancialmente mais elevados de NT-proBNP quando comparados com os outros animais (p<0.0001). A média do valor de NT-proBNP para a doença severa, moderada, incerta ou normal foi a seguinte: 134 pmol/L, 22 pmol/L, 19 pmol/L e 21 pmol/L. Quando se comparou o valor de NT-proBNP do grupo de doença severa com o do resto dos grupos, observaram-se sempre diferenças significativas entre o valor do grupo severo e os grupos de doença moderada, incerta e normal.

Como se interpretam estes resultados?

O ponto crítico para a normalidade do NT-proBNP estabelecido de acordo com estudos e publicações prévias à realização deste estudo foi de 44 pmol/L, pelo que uma concentração elevada de NT-proBNP seria razoavelmente sensível e específica (90 e 83%, respectivamente) por forma a identificar a cardiomiopatia hipertrófica felina severa . No entanto, o NT-proBNP não se revelou útil para a tarefa de diferenciar gatos saudáveis ou com doença moderada. Desta forma, o NT-proBNP é útil para o diagnóstico da cardiomiopatia hipertrófica severa , mas não possui sensibilidade para o diagnóstico da doença moderada . Assim, os autores do estudo concluíram que o NT-proBNP não pode ser usado para o screening da cardiomiopatia hipertrófica, já que não seriam detectadas formas moderadas e ligeiras da doença.

  • Harris A, Beatty S, Estrada A, Winter B, Bohannon M, Sosa I et al. Investigation of an N-Terminal Prohormone of Brain Natriuretic Peptide Point-of-Care ELISA in Clinically Normal Cats and Cats With Cardiac Disease. Journal of Veterinary Internal Medicine. 2017; 31(4): 994-999.
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Josep Campmany

Josep Campmany

Associate No: COVB 1125

Bachelor of Veterinary Medicine from the University of Zaragoza and Advanced Management Program. Marketing Management (ESADE, Barcelona)