
Dermatite atópica canina: introdução
A dermatite atópica canina é um dos problemas de pele mais comuns em cães, estimando-se que 10% a 15% dos cães sejam atópicos. Trata-se de uma doença crónica da pele que envolve inflamação pruriginosa e hipersensibilidade , afetando tanto a derme como a epiderme. Costuma afetar cães jovens , mas pode ocorrer em qualquer idade. Embora tenha um componente genético considerável, é desencadeada pelos alergénios do ambiente . A patogénese da dermatite atópica canina é complexa, mas diversos estudos realizados detetaram dois mecanismos patogénicos principais :
1. Hipersensibilidade contra alergénios ambientais : os animais atópicos respondem inicialmente ao contacto percutâneo, ou através de mucosas, com os alergénios mediante uma resposta imunitária humoral, que comporta a produção de IgE específicas. Trata-se de uma resposta do tipo T Helper-2, na qual os linfócitos T específicos produzem IL-4, IL-5 e IL-13 e estimulam a síntese de IgE específicas contra outros alergénio implicados. As IgE fixam-se mediante recetores específicos na superfície dos mastócitos cutâneos e um novo contacto com os alergénios induz a desgranulação dos mastócitos e a libertação de mediadores como a histamina, as prostaglandinas ou os leucotrienos. Neste modelo, as infeções secundárias (bacterianas ou por Malassezia) e o coçar têm um papel fundamental na manutenção ativa da resposta inflamatória.
2. Alteração na barreira cutânea : a epiderme constitui uma barreira eficaz na qual os queratinócitos ficam selados por uniões intercelulares (desmossomas) e por um cimento extracelular proteico e lipídico. Uma alteração da função isoladora da epiderme, de origem genética ou adquirida, permitiria uma maior penetração dos alergénios e seria a causa de uma resposta imunitária anormal de hipersensibilidade. A disfunção da barreira cutânea seria responsável por um aumento da penetração de alergénios por via percutânea e também de um aumento na perda de água transepidérmica (transepidermal water loss - TEWL), a qual seria responsável pela xerose característica da dermatite atópica.
O diagnóstico da dermatite atópica canina é clínico. Estabelece-se num animal com história e quadro clínico compatíveis e no qual foram descartadas outras causas comuns de prurido, em especial, a sarna sarcótica, a demodicose, a foliculite bacteriana, a dermatite por Malassezia e a alergia alimentar.
Tratamento da dermatite atópica canina
Por ser uma doença crónica , a dermatite atópica canina não tem cura. No entanto, existem diversas medidas terapêuticas e mudanças no estilo de vida que melhoram muito o quadro clínico do animal e podem alargar o período entre uma crise e outra.
As medidas de suporte gerais são intervenções que, geralmente, por si só não têm a capacidade de controlar os casos mais graves de dermatite atópica canina, mas que ajudam a avançar no controlo e permitem reduzir a dose da medicação. Por exemplo, é importante manter um controlo rigoroso dos ectoparasitas e evitar que o animal sinta demasiado calor , já que ambas estas condições podem desencadear uma crise e agravar os sintomas. Também se recomenda dar-se banho ao cão regularmente, utilizando champôs especiais para controlar as infeções secundárias , eliminar os alergénios da pele e aliviar os sintomas inflamatórios e pruriginosos. Nomeadamente, o gel de aloé vera e os ácidos gordos ómega 6 atuam aumentando a camada lipídica da epiderme, têm uma atividade anti-inflamatória marcada e ajudam no processo de cicatrização e reparação.
No entanto, a chave para controlar o aparecimento das crises e melhorar a qualidade de vida do animal baseia-se na administração de um tratamento farmacológico adequado. Atualmente, existem três abordagens terapêuticas principais da dermatite atópica canina: a imunoterapia alergénio-específica, os corticoides (tópicos ou sistémicos) e a ciclosporina . Em particular, a ciclosporina (5 mg/kg/dia, dose inicial) é uma terapia com eficácia comprovada na dermatite atópica canina e os estudos demonstram que é eficaz em mais de 80% dos casos.
Tratar o cão afetado com a dieta Atopic da Advance Veterinary Diets permite reduzir o uso de medicação, mantendo todos os benefícios do tratamento.
Uso da ciclosporina em cães
A ciclosporina é um fármacoimunossupressor , isto é, diminui a resposta imunitária celular. É útil quando o sistema imunitário apresenta um comportamento alterado (alergias e doenças imunomediadas). Nos cães, o seu uso é sobejamente conhecido no tratamento da dermatite atópica canina , entre outras aplicações. A ciclosporina também é muito conhecida em medicina humana pelo seu uso no tratamento da rejeição por parte do organismo de órgãos transplantados em seres humanos.
A eficácia da ciclosporina em cães é semelhante à dos glucocorticoides, mas tem poucos efeitos adversos, tal como comprovado num estudo realizado por Steffan J. et al . 1. Este estudo avaliou diferentes ensaios clínicos em que participaram cerca de 799 cães com dermatite atópica, dos quais 84% foram tratados com ciclosporina , 20% com placebo, 9% com glucocorticoides orais e os 3% restantes com anti-histamínicos. A duração do tratamento dos animais variou entre 2 semanas e 6 meses . Durante esse período, as lesões nos cães melhoraram de 30 a 50% às 4 semanas, de 53 a 84% às 6 semanas e de 52 a 69% às 16 semanas de tratamento. Os efeitos adversos mais frequentes foram os vómitos e a diarreia , que se verificaram em 15 a 25% dos cães.
Estes resultados devem-se à ação inibidora da ciclosporina sobre a calcineurina , uma enzima que desempenha um papel essencial na ativação genética da dermatite canina, assim como na sua capacidade para reduzir a resposta autoimune ao inibir asinterleucinas , particularmente a IL-2 , uma citocina pró-inflamatória que intervém na reação inflamatória do corpo, no estabelecimento da memória imunitária celular e no reconhecimento dos antigénios externos e internos. Consequentemente, a ciclosporina não só proporciona um alívio dos sintomas da dermatite atópica canina , como também contribui para espaçar o surgimento das crises . Por outro lado, a ocorrência frequente de contraindicações (vómitos, hiperplasia gengival, diarreia,...) é a principal limitação deste medicamento.
Na maioria dos casos, a dose recomendada é de 5 mg/kg de ciclosporina por via oral , preferencialmente duas horas antes ou depois de comer , para potenciar a sua absorção. Após uma ou duas semanas de tratamento , os sintomas devem começar a remitir e o animal mostrará uma certa melhoria. Para se obter uma maior concentração de ciclosporina no sangue , em alguns casos, recomenda-se a administração simultânea de 5-10 mg/kg de cetoconazol .
No tratamento de manutenção, se a ciclosporina tiver sido eficaz passadas cerca de quatro semanas de tratamento, sugere-se reduzir a sua dose progressivamente até chegar à dose mínima necessária para controlar os sintomas da dermatite atópica canina. Um estudo realizado por Olivry T. et al. 2 em 2003 também descobriu ser eficaz aumentar os intervalos de administração no tratamento a longo prazo com ciclosporina .
Para chegar a estas conclusões, foram selecionados 30 cães diagnosticados com dermatite atópica que começaram a ser tratados com 5 mg/kg de ciclosporina uma vez por dia durante quatro semanas. Depois, foram aleatoriamente separados em dois grupos. No primeiro grupo, reduziu-se mensalmente a dose de ciclosporina, para 2,5 e 1,25 mg/kg por dia até atingir uma redução de 50 e 75% das lesões, respetivamente. No outro grupo, aumentaram-se os intervalos de administração, sendo primeiro a ciclosporina administrada em dias alternados e depois a cada 4 dias, até ser obtida a mesma redução nas lesões que no outro grupo. Os resultados mostraram que às 4, 8 e 12 semanas não houve diferenças significativas em relação à melhoria das lesões e do prurido nos dois grupos de animais . Além disso, não foram observados efeitos adversos diferentes. Conseguiu-se reduzir a dose de ciclosporina em 12 cães do primeiro grupo e em 13 do segundo grupo, o que indica que, assim que a doença é controlada, é possível reduzir a dose de ciclosporina ou aumentar os intervalos da sua administração, mantendo a mesma eficácia . De qualquer forma, a redução da dose dependerá da resposta clínica do animal à terapêutica .
A grande margem de segurança da ciclosporina em cães, juntamente com a variabilidade interindividual limitada e a falta de correlação entre as concentrações sanguíneas e a resposta clínica, faz com que a monitorização de rotina da ciclosporina sanguínea não seja necessária na dermatite atópica canina. Do mesmo modo, geralmente não é necessário avaliar os níveis de ciclosporina antes de reduzir a dose, como constatado por Guaguère E. et al. 3. Contudo, em alguns casos pode ser útil conhecer os níveis séricos da ciclosporina . Nomeadamente, quando o cão não tiver respondido à medicação ou existir um risco de toxicidade por se ter administrado ciclosporina durante um período de tempo prolongado ou juntamente com outra medicação que aumente a sua biodisponibilidade.
Efeito da ciclosporina em cães na função das plaquetas
O mecanismo de ação da ciclosporina consiste na inibição dos anticorpos T-dependentes , bem como na inibição das linfocinas . Contudo, é um fármaco associado a reações adversas, principalmente relacionadas com a função das plaquetas.

O efeito da ciclosporina sobre a membrana das plaquetas já foi amplamente estudado em humanos. A alteração destas membranas induz um estado de hipercoagulabilidade que provoca um estado pró-trombótico , aumentando desta forma o risco de acidentes trombóticos no paciente. Porém, este fenómeno ainda não foi bem estudado nos cães.
Em 2012, a equipa de investigadores do Colégio de Medicina Veterinária da Universidade do Mississippi (EUA) realizou um estudo para determinar os efeitos da ciclosporina sobre a hemostasia em cães (1), de forma a perceber se os doentes caninos apresentavam as mesmas alterações que se conhecem nos humanos. Para o efeito, escolheram-se 8 cães que receberam 2 ciclos do medicamento: um ciclo em dose imunossupressora e um ciclo em dose de atopia. Posteriormente, analisaram-se os indicadores da reação das plaquetas. Nos casos da dose de atopia , apenas se observou uma ligeira diminuição para alguns dos indicadores, ao passo que nos casos da dose de imunossupressão , todos os indicadores apresentaram uma diminuição significativa . Os resultados deste estudo parecem indicar que a ciclosporina pode provocar um estado trombofílico em cães, da mesma forma que ocorre nos seres humanos. Contudo, o seu efeito só será substancialmente relevante se for administrada em doses imunossupressoras .
Estudo da combinação de ciclosporina com ácido acetilsalicílico
Em 2014 elaborou-se outro estudo, desta vez patrocinado pela ACVIM (American College of Veterinary Internal Medicine), com o objetivo de investigar os efeitos da ciclosporina em cães, neste caso relacionada com o tratamento da a nemia hemolítica imunomediada (2). Devido à sua atividade imunossupressora, a ciclosporina é utilizada nesta doença com bons resultados. Mesmo assim, um dos principais fatores de mortalidade associados a esta doença é o desenvolvimento de tromboembolismo , chegando a causar a morte em até 50% dos pacientes caninos . Dado que a ciclosporina se relaciona com a trombofilia, é frequentemente administrada em conjunto com o ácidoacetilsalicílico a estes doentes. Neste segundo trabalho de investigação, estudou-se o efeito desta combinação de fármacos em 7 cães adultos saudáveis, utilizando diferentes doses de ambos os medicamentos, com o objetivo de confirmar a hipótese de que o ácido acetilsalicílico pode contrariar o efeito trombofílico da ciclosporina em cães.
Os resultados do estudo confirmaram a capacidade do ácido acetilsalicílico de inibir a função das plaquetas, ainda que o seu efeito seja especialmente visível em doses elevadas. No entanto, ao ser administrado de forma simultânea com a ciclosporina em cães, esta aparenta reduzir significativamente a eficácia das doses baixas de aspirina. São necessários estudos mais abrangentes por forma a determinar um padrão de aplicação de tromboprofilaxia no uso de ciclosporina em cães. No entanto, e como já referimos anteriormente, uma correta posologia deste fármaco, bem como a possibilidade de estudar alternativas terapêuticas, serão fatores-chave para reduzir os seus efeitos negativos.










